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segunda-feira, 23 de novembro de 2015

SUICÍDIO CRESCE NO BRASIL

Aumenta o número de brasileiros, sobretudo jovens, que tiram a própria vida. No Brasil, nos últimos anos, as mortes por suicídio de pessoas entre 15 e 24 anos cresceram 1.900%.
Temos um problema sério pela frente: no Brasil, em 20 anos, o número de mortes por suicídio cresceu 1.900% na faixa etária de 15 a 24 anos. Com tal incidência, representa a terceira principal causa de morte de pessoas em plena vida produtiva. As consequências atingem também a família. Pesquisas mostram que cada morte afeta profundamente e por tempo prolongado  pelo menos cinco pessoas.
As estatísticas revelam a extensão de um problema que merece a nossa reflexão. Nos últimos 40 anos, as taxas de mortalidade mundial por suicídio subiram cerca de 60%. Nada menos do que um milhão de pessoas morrem por ano por essa causa, uma morte a cada 40 segundos, praticamente todas elas em consequência de depressão ou de algum transtorno mental.
Estimativas da Organização Mundial de Saúde (OMS) sinalizam que haverá mais de 1,5 milhão de vidas perdidas por esse motivo em 2020, representando 2,4% de todas as mortes. A OMS também registrou que permanece a tendência de crescimento das mortes entre os jovens, especialmente nos países em desenvolvimento.
Diante da gravidade do assunto, o tema há alguns anos passou a integrar as políticas de saúde pública em diversas partes do mundo. Com a criação de programas de prevenção, países como os Estados Unidos já estão conseguindo reduzir o número de casos. “Isso mostra que a melhor conduta é criar redes de proteção para dar o suporte necessário às pessoas em risco e suas famílias”, opina Humberto Corrêa, psiquiatra e chefe do Departamento de Saúde Mental da Universidade Federal de Minas Gerais.
Em 2006, o governo brasileiro formou um grupo de estudos para traçar as diretrizes de um plano nacional de prevenção do suicídio, que deve ficar pronto este ano. A promessa é incluir verbas no orçamento de 2008 para colocar essas ideias em prática. “O que existe hoje é apenas uma cartilha destinada a profissionais da saúde”, comenta o psiquiatra.
Reduzir as taxas de suicídio é um desafio coletivo. A sociedade precisa romper com os tabus e se engajar nessa batalha. Apesar de não serem raras as famílias em que alguém não tentou ou morreu, pouco se fala do assunto. A mídia, um poderoso instrumento de educação e conscientização, também se omite sobre essa questão “desgostosa”. “Mas a nossa resposta não pode ser o silêncio. Nossas chances de chegar às pessoas que precisam de ajuda dependem da visibilidade”, prossegue o médico.
Quem pensa em se matar deve saber que mais gente pensa sobre isso e pode ajudar. No final de junho, entre os dias 28 e 30, 80 conferencistas de 16 países se reuniram em Belo Horizonte (MG) para trocar as suas experiências sobre o assunto durante o II Congresso Latino-americano de Suicidologia. “Uma das nossas tarefas é convencer donas de casa, pais, educadores, jornalistas, publicitários, líderes comunitários e de opinião de que o debate sobre o suicídio não é uma questão moral ou religiosa, mas um assunto de saúde pública e que pode ser prevenido. Aceitar essa ideia é o primeiro passo para poupar milhares de vidas”, conclui Humberto Corrêa, que presidiu o evento.
Dicas Úteis:
Leve a sério quando alguém ou um parente diz que a vida não vale a pena e se mostra deprimido. Por baixo disso pode estar a intenção de interromper a vida.
Estudos em diversas regiões do planeta mostram que quase todos os indivíduos que se suicidaram estavam padecendo de um transtorno mental.
A Inglaterra conseguiu reduzir o número de mortes por suicídio com um amplo programa de tratamento de depressão.
No Rio de Janeiro há um serviço especializado para quem perdeu pessoas próximas por suicídio, o Projeto Conviver. Outro começará a funcionar em Belo Horizonte, em Minas Gerais, este mês.


quarta-feira, 2 de setembro de 2015

AMOR NÃO É APEGO, NEM SOFRÊNCIA

A questão é simples e complexa, segundo os budistas: amor de verdade não dói. Ele inunda o coração e se basta sozinho. Já o apego traz sofrimento, porque guarda dentro de si o medo da perda. Da rejeição. De "ficar sem a pessoa", de "ficar sozinho". O amor não pode ter medo de perder porque não perde nunca – ele existe indiferente da reciprocidade. Existe em si mesmo.
Desde pequenos fomos ensinados a pensar em amor e apego como quase sinônimos, e a encarar com alguma benevolência um ciúme "saudável", ou o medo de perder o amado (a) como prova de que realmente o que se sente é amor. Séculos de literatura, arte e poesia na nossa sociedade ocidental nos moldaram a pensar assim – isso desde as dores do amor romântico do jovem Werther, passando por Lady Gaga,  até os cantores atuais da sofrência. Os budistas lidam melhor com a questão – recomendo palestras do Dalai Lama e da monja Jetsunma Tenzin Palmo sobre o tema. Fácil de achar no you tube.
Sou claro, eu, como a maior parte dos mortais, compreendo racionalmente a diferença entre os dois sentimentos – mas daí a separar apego e amor dentro do coração é outros quinhentos. Lembro-me de ouvir palestras e ler sobre o assunto e literalmente passar por cima dele – afinal, eu entendia a ideia, mas não via como colocar em prática. Era abstrato demais. Algo que só pessoas muito evoluídas espiritualmente ou com décadas de análise talvez pudessem sentir. Mas não. Um dia aconteceu. E foi num sonho.
Parênteses: Alguns dos nossos melhores insights vêm nos sonhos – não levante correndo para engolir um café e correr para o escritório. Tire pelo menos uns 5 minutos para ouvir o que o seu mundo interno tem a dizer quando você dorme e a consciência relaxa.
Anos depois de um término, sonho que recebo uma carta. Uma embalagem com carimbo e selo de algum país distante. Abro o pacote e encontro um casaco cinzento e antigo, com bandeirinhas, selos e brasões de vitórias passadas. Dentro, uma foto minha. E um poema, numa letra e língua que não consigo entender.
No sonho, vestida com aquele casaco de tantas guerras, percebia que era eu quem ele buscava. A pérola invisível, escondida no conteúdo translúcido da concha. E que ele, debaixo de tantos brasões e realizações, de tantas máscaras a que a vida nos obriga a usar para vencer no mundo, também era. The real deal. O czar medroso, generoso e puro que se esconde por trás da armadura, para não doer mais. É, mas não sabe. Nem quer saber. Quando irá acordar, meu deus?
Nunca – diz meu coração. E de repente me sinto aliviada, sem aquele peso. Porque não preciso de mais nada. O que sinto é suficiente – e enorme o bastante para me fazer querer viver muito mais. Ainda no sonho, passo por aquela rua, aquela casa. Fecho as janelas do táxi, fecho os olhos. Deixo ir.
Estou na praia, sozinha. Observo as ondas à noite e contenho meu desejo de me fundir ao céu e mar noturno. Entre os dedos seguro uma, duas, três conchas – as mais bonitas depois da ressaca. Com cada uma delas pesando suave na mão, espero pelo dia em que possa entregar a dele – o amuleto que o protegeria do mundo cão em que ele (sobre)vive. Esse dia não vai chegar, olho para o mar e sei. Mas isso não muda nada. Nem me faz querer nada que não seja pura oferta da vida, do mar. Do mundo.
Querer, querer. Só queremos. Queremos ter tudo – e vivemos presos no medo de perder o que "conquistamos". Escuto as ondas indo e vindo e me sinto livre – ainda estou inteira. Cada vez mais. Nossas memórias passam pelo espelho das águas como flashes, mas não trazem saudade – o tempo-espaço é acessível a qualquer fechar de olhos. A cada onda que se quebra no horizonte.
Os budistas dizem que o todo sofrimento vem do desejo (não sou budista e ainda não atingi o nirvana para interpretar corretamente essa frase), e que o caminho para sair da prisão do apego e da dor é deixar ir. Aprender a se bastar. E ficar genuinamente feliz com o crescimento do outro – mesmo que ele tenha escolhido viver longe de você.
Fácil falar, não é? Mas eu juro que num segundo, dentro de um sonho, foi fácil – e a partir daí foi ficando cada vez mais natural.
Porque amor de verdade não precisa do outro. Afinal, o outro está sempre contido dentro do amor. Não como um fantasma – mas como uma constância que faz nosso coração bater mais rápido em cada respirar de maresia, em cada linha de um poema. E não, não dói. A felicidade do outro passa a ser sua também, porque é impossível sentir algo que te completa e expande tanto e ser mesquinho, querendo aprisionar o que só existe quando há entrega – e para haver entrega é preciso haver liberdade.
Amor de verdade é gratuito e autossuficiente, eterno no tempo como uma onda sonora que se propaga infinita, repercutindo no espaço. No espaço, em algum lugar, nós. Lembra?
Não, você não lembra. Mas não faz mal. Eu lembro por nós dois.
Obvious

quinta-feira, 20 de agosto de 2015

SOLIDÃO À DOIS

Com sorrisos cada vez mais raros e sem poder de contagiar; com impaciência ao invés de brincadeiras e um torturante silêncio onde deveriam existir palavras e palavras, cada vez mais pessoas vivenciam a solidão a dois, termo que ouvi pela primeira vez na voz de Cazuza, em “Eu queria ter uma bomba”, música do Barão Vermelho.
São olhares vazios, pensamentos dispersos e uma sensação enorme de “tanto faz”. Na mesa do restaurante, o casal insiste em prestar atenção exclusivamente às telas de seus celulares; enquanto caminham, nenhuma palavra sai de seus lábios, e na despedida um beijo frio. No sexo, por não exigir diálogo, as coisas fluem um pouco melhor. Mas ainda assim é insuficiente.
O relacionamento, contudo, é mantido. Talvez por conveniência ou talvez porque essa realidade basta. Existem pessoas que se contentam com o básico e outras que temem a solidão mais do que qualquer outra coisa. Elas não percebem, porém, que estão sozinhas, apesar de terem uma companhia.
Parece contraditório, mas não é. Soa como se as pessoas, com medo da solidão, resolvessem ficar sozinhas juntas. Assim é formada uma multidão de almas vazias, de corações partidos e mentes desencontradas.
Elas se sentem perdidas da mesma forma. Estão a sós com seus pensamentos, embora segurem uma mão. Sonham acordadas, mas preferem não falar sobre isso. Passam horas tentando saber porque aquelas pessoas malucas escrevem poemas e canções.
Ficam inconformadas por aqueles que dizem que até o céu muda de cor quando estão amando. "Porra, o céu é azul. Sempre foi e sempre será", concluem. Mas é mentira. O céu é da cor que querem aqueles que não sentem uma solidão esmagadora, estejam acompanhados ou não.
E assim assistimos relacionamentos começando e terminando dia após dia. Não haveria problema nenhum nisso, afinal, nossa existência é efêmera, e somos feitos de dúvidas e erros. O problema é assistir o seu relacionamento começar e acabar e ainda assim não aprender nada de valioso com ele. E sabe por que não? Porque vocês não estavam juntos. Apenas estavam sozinhos no mesmo lugar.
Obviuos


terça-feira, 14 de julho de 2015

Só Chegamos a Ser uma Parte Mínima do que Poderíamos Ser


A atividade de comprar conclui em decidir-se por um objeto; mas é também antes uma eleição, e a eleição começa por perceber as possibilidades que oferece o mercado. De onde resulta que a vida, no seu modo «comprar», consiste primeiramente em viver as possibilidades de compra como tais. Quando se fala de nossa vida sói esquecer-se disto, que me parece essencialíssimo: a nossa vida é em todo o instante e antes que nada consciência do que nos é possível. Se em cada momento não tivéssemos à nossa frente mais que uma só possibilidade, careceria de sentido chamá-la assim. Seria apenas pura necessidade. Mas ai está: esse estranhíssimo facto da nossa vida possui a condição radical de que sempre encontra ante si várias saídas, que por serem várias adquirem o carácter de possibilidades entre as quais havemos de decidir. Tanto vale dizer que vivemos como dizer que nos encontramos num ambiente de determinadas possibilidades. A este âmbito costuma chamar-se «as circunstâncias».

Toda a vida é achar-se dentro da «circunstância» ou mundo. Porque este é o sentido originário da ideia (mundo). Mundo é o repertório das nossas possibilidades vitais. Não é, pois, algo à parte e alheio à nossa vida, mas que é a sua autêntica periferia. Representa o que podemos ser; portanto, a nossa potencialidade vital. Esta tem de se concretizar para se realizar, ou, dito de outra maneira, chegamos a ser só uma parte mínima do que poderíamos ser. Daí que nos parece o mundo uma coisa tão enorme, e nós, dentro dele, uma coisa tão pequena. O mundo ou a nossa vida possível é sempre mais que o nosso destino ou vida efetiva.


Ortega y Gasset,
 'A Rebelião das Massas'

sexta-feira, 3 de julho de 2015

A ARTE DE SABER DIZER ADEUS.


Às vezes, tudo que precisamos é saber dizer adeus. A vida se resume basicamente em deixar ir. É impossível seguir em frente com cargas desnecessárias, com bagagens que não nos pertencem. Já temos as que nos bastam, então para que o peso morto? É preciso esquecer os velhos caminhos, os velhos pensamentos, e às vezes, infelizmente, as velhas pessoas.

Não me entendam mal, canso de dizer que somos um conjunto das pessoas que tocamos e fomos tocados, mas ninguém é insubstituível. Absolutamente ninguém. A gente vai vivendo e aprendendo que algumas pessoas, inevitavelmente, se vão. E não há nada que possamos fazer para de alguma forma as trazer de volta. E não falo sobre ir como um eufemismo para morte, falo de ir ao sentido de elas continuarem com suas vidas, e às vezes, conosco não mais fazendo parte da mesma.
Tentar traze-las de volta é tão inútil quanto tentar usar uma roupa que não nos serve mais, que ficou pra trás, junto com o tempo em que pesávamos 5 kg a menos. Não combina, não serve, falta algo. É tentar encaixar algo em um lugar o qual não pertence, e esperar um grande resultado. E tudo que acabamos recebendo no fim são decepções procedentes das expectativas criadas. Existem situações, e situações, mas uma vez que algo foi embora, que a vida seguiu seu curso, não volte para trás. É certo que se deve ter a sabedoria necessária para saber diferenciar o não é a hora com o nunca será a hora. Mas uma vez que algo se perde com tanta força, acredito não ser passível de retorno.
É tão necessário saber a hora de soltar a linha, de seguir, de deixar para trás tudo que te prende e te entristece. Tudo que pesa na sua vida e nas suas costas. Desejo aprender dia após dia a arte de deixar ir. Pois como eu disse há pouco, algumas coisas não retornam. E desejo mesmo que não retornem. Quero o novo, o desconhecido. Não quero algo que me leve aos mesmos caminhos de outrora. Caminhos difíceis, caminhos incertos. Eu quero o que é novo, mas o que é concreto. Chega de esperar retornos, chega de esperar confissões que não existem, chega de esperar que as coisas voltem a ser como foram um dia. Por que daqui a um minuto, nada mais é como já foi antes. E isso, isso é irremediável.
Será?
Obvious.




terça-feira, 19 de maio de 2015

MULTIDÃO E A SOLIDÃO

É um erro acreditar que a experiência de se relacionar superficialmente irá gerar experiência para um relacionamento duradouro. Relacionar-se superficialmente ensina a ser cada dia melhor nisso, enquanto a experiência de fazer durar só se adquire fazendo durar.






Somos tão livres como nunca fomos. Pode-se escolher carreira, viagens, hobbies, pessoas. Acima de tudo pessoas. Pode-se trocar de carreira, de hobbies e de pessoas, o tempo todo. Por que o resultado disso não é maravilhoso? Por que os cidadãos da era tinder são tão solitários? Por que os pregadores do desapego nas redes sociais parecem tão felizes e divertidos por lá e na realidade estão em desespero, viciados em remédios? E de onde foi que eles saíram?
Estas pessoas são solitárias, não por que não socializem, não saiam com os amigos, não se divirtam. Elas fazem tudo isso e ainda têm um tinder que bomba. Mas não criam laços. Todas essas coisas e pessoas (excetuando um bom amigo ou outro) são efêmeras e desaparecem quando se está doente ou sem dinheiro. Puf!
O trabalho do sociólogo polonês Zygmunt Bauman nos emprestou as palavras para falarmos desse fenômeno social que estamos vivendo.
As explicações sobre a atual liquidez de tudo vieram a calhar, para aqueles que têm a coragem de admitir e que têm interesse no que se passa ao nosso redor. Em trabalhos como: “modernidade líquida” e “amor líquido” encontram-se temas chave que nos ajudam a nos situar no caos moderno. Tais como: a perda de espaço e tempo implicados pelo avanço tecnológico, a fragilidade dos laços humanos, a substituição de relações presenciais por on-line e etc.
Mas este artigo não é para falar de Zygmunt e sim para entendermos através do embasamento que seu trabalho nos oferece, como nos tornamos fabricantes de solidão e legitimadores da mesma.
Quando falo do que “vivemos hoje”, não é por empatia com tempos passados, falo do fenômeno social ocorrido como consequência de avanços tecnológicos e culturais, principalmente a ideologia moderna da “liberdade”. A ideia de ser livre e de poder fazer o que quiser, a desconstrução de valores, que agora são extremamente relativos.
Você começa uma família se quiser e quando quiser, você tem filhos se quiser, você viaja para onde quiser, você não precisa se relacionar com o sexo oposto, você é livre! Estamos todos inseridos na cultura do respeito às diferenças. E tudo isso são avanços inegáveis, mas ainda não estamos no paraíso por quê?
Todos os nossos avanços vieram acompanhados de evoluções tecnológicas que nos tiraram a noção de espaço e tempo interligados, como disse Bauman: “O tempo se tornou dinheiro depois de se ter tornado uma ferramenta (ou arma?) voltada principalmente a vencer a resistência do espaço: encurtar as distâncias, tornar exequível a superação de obstáculos e limites à ambição humana.” (BAUMAN, Modernidade Líquida, 2001, p.130)
Está dada a largada então, para a conquista de espaço no menor tempo possível e os competidores são, as um dia crianças, ensinadas que podiam ser o que quisessem. E isso é o que importa agora, sucesso financeiro, aquisição de espaço, ambição. Laços de afeto e a espiritualidade são complementos necessários na vida de um cidadão moderno, saudável e bem-sucedido, mas apenas complementos. E é muito bom que todos tenham esses complementos, assim como carimbos no passaporte. E o ideal é que sejam colocados em um futuro seguro e incerto (porque nada é certo), onde não possam afetar suas prioridades de carreira e dinheiro.
É preciso um espaço só seu para se concentrar nas prioridades, para focar e competir no dia a dia com máxima eficiência. Cria-se uma bolha.
E de dentro das bolhas do individualismo olha-se para fora, para uma imensidão de possibilidades. As redes sociais disseminam a sensação de que há uma infinidade de pessoas a nossa volta, todas legais e felizes, tentando parecer mais bonitas e mais felizes que outros. Todas postando seus momentos de alegria e sucesso. Cria-se um ideal inalcançável, pois é atualizado o tempo todo nas redes. Então cá no nosso dia a dia como escolher alguém?
Com uma escolha feita parece-se estar perdendo tanto! Como amar alguém e perder as experiências maravilhosas com as pessoas maravilhosas que lotam o facebook e o instagram?
Além disso, as pessoas presenciais são humanas e falhas, dão trabalho e nunca correspondem ao ideal disseminado pelas redes. E aí é que são descartadas e trocadas por outras. Sempre na compulsão de tentar de novo, de achar a pessoa certa, que “cabe no sonho”, como disse Cazuza. É muito fácil dizer que não deu certo e se desprender de responsabilidades na tentativa, dizer: “é a vida”.
E volta-se para casa só e começa-se tudo de novo amanhã.
Fazemos-nos todos descartáveis e reclamamos quando somos descartados, reclamamos da solidão dentro da bolha. Coloca-se a culpa num mundo louco e insensível, quando nós somos o mundo. E a coisa real que todos compartilhamos no fim das contas é a solidão. Ninguém está realmente lá, todos estão indo e vindo. Bauman explica o fenômeno dos laços frouxos e repetitivos que fazemos:
O cidadão de nossa líquida sociedade moderna — e seus atuais sucessores são obrigados a amarrar um ao outro, por iniciativa, habilidades e dedicação próprias, os laços que porventura pretendam usar com o restante da humanidade. Desligados, precisam conectar-se... Nenhuma das conexões que venham a preencher a lacuna deixada pelos vínculos ausentes ou obsoletos tem, contudo, a garantia da permanência. De qualquer modo, eles só precisam ser frouxamente atados, para que possam ser outra vez desfeitos, sem grandes delongas, quando os cenários mudarem — o que, na modernidade líquida, decerto ocorrerá repetidas vezes. (BAUMAN, Amor Líquido, 2004, p.6)
As consequências da liberdade são assustadoras. Ela é um fenômeno que a maioria ambiciona entender, uma fonte de prazeres e dores de que ninguém abre mão. Talvez todos pensem entender a liberdade, pois têm um conceito individual da mesma, mas ela está acima das ideias.
A liberdade é acima de tudo ambígua. Zygmunt diz que nenhuma sociedade conseguiu ainda o equilíbrio entre segurança e liberdade, se estamos seguros somos escravos e se estamos livres, não temos segurança. Estamos mais para o segundo caso, somos livres, mas temos tudo líquido a nossa volta, nada seguro.
E quem vai ter a coragem de construir um relacionamento seguro abrindo mão da sua liberdade pessoal? Esta pseudo-liberdade de fazer tantas coisas que não darão frutos e que oferece momentos de inserção na ideia atual de felicidade.
E ainda, quem serão os mais que corajosos a investir em algo sólido, com laços afetivos, confiança, lealdade e durabilidade, com dores e prazeres a longo prazo, quando o resto do mundo irá considerá-los fora de moda e sem ambição?
Talvez, por isso, é que nem mesmo pessoas totalmente conscientes dessa realidade conseguem criar laços duradouros, afinal, é suicídio social ser fora de moda e sem ambição.
E como diz Bauman: “Sem humildade e coragem não há amor. Essas duas qualidades são exigidas, em escalas enormes e contínuas, quando se ingressa numa terra inexplorada e não mapeada. E é a esse território que o amor conduz ao se instalar entre dois ou mais seres humanos.” (BAUMAN, Amor líquido, 2004, p.12).
Como já foi dito, os planos de formar família ou mesmo um relacionamento duradouro são colocados num futuro incerto e distante, “vou querer quietar um dia”, ouve-se muito isso. As pessoas acreditam estar aprendendo com suas experiências de amores líquidos, ficadas e rolos, para um dia aplicar a um relacionamento que já vem sendo idealizado, mais inalcançável depois de cada experiência, obtida com pessoas defeituosas, de forma que se exige mais e mais daquela que seria a certa.
É um erro acreditar que a experiência de se relacionar superficialmente irá gerar experiência para um relacionamento duradouro. Relacionar-se superficialmente ensina a ser cada dia melhor nisso, enquanto a experiência de fazer durar só se adquire fazendo durar. Sobre isso Bauman diz:
Essa é, contudo, outra ilusão... O conhecimento que se amplia juntamente com a série de eventos amorosos é o conhecimento do “amor” como episódios intensos, curtos e impactantes, desencadeados pela consciência a priori de sua própria fragilidade e curta duração. As habilidades assim adquiridas são as de “terminar rapidamente e começar do início” [...] Guiado pela compulsão de tentar novamente, e obcecado em evitar que cada sucessiva tentativa do presente pudesse atrapalhar outra no futuro... (BAUMAN, Amor Líquido, 2004, p.11)
Toda essa cultura e essa vivência de correr atrás do vento fabricam solidão e não daquele tipo que se precisa de vez em quando, mas de um tipo disfarçado e disseminado, que está nas nossas músicas e filmes, está nas redes e na moda, está no estilo de vida e tem corroído por dentro a fé da humanidade na humanidade.
Quem não viu o primeiro episódio do famoso seriado Americano, Sex And The City, baseado no livro de Candace Bushnell? A narração de Carrie Bradshaw que abre o seriado:
Bem-vinda à época da não inocência [...] Autopreservação e fazer bons negócios são mais importantes. O cupido voou do pedaço. Como diabos vieram parar nessa bagunça? Há milhares de mulheres nessa situação, todos as conhecemos e concordamos que são ótimas. Elas viajam, pagam impostos, pagam 400US$ em um par de sandálias Manolo Blahnik e são solitárias.
Quem não viu o filme Her, e acompanhou a maneira fácil e a gradual com que o personagem Theodore se apaixona por um programa de inteligência artificial, chamado Samantha, criado para ajudar usuários a se organizarem em suas vidas online? A ex-esposa de Theodore diz a ele:
É o que você sempre quis. Ter uma esposa sem o desafio de ter que lidar com algo real.
Se quisermos alterar essa realidade, será preciso parar a corrida em diversos momentos e olhar para o outro, desobrigando-o de ser fantástico, pois ele não é um filme ou seriado, é um ser humano. E o outro ser humano é o único que pode corresponder com a companhia que nós, por natureza, necessitamos.
Desculpe, também não é seu cachorro!
Obvious
 




quinta-feira, 23 de abril de 2015

PATOLOGIAS CONTEMPORÂNEAS: ansiedade, pânico e compulsões.

O MAL DA ROTINA.


De que vale a vida, penso eu, se não arriscarmos, nos entregarmos ao novo? Ter o coração partido e se fechar para um novo amor, permanecer num emprego que te causa infelicidade, mas que garante estabilidade, dormir cedo sempre, nunca se atrasar, ir ao mesmo cinema, frequentar as mesmas praias, estranhar novas amizades: que perda de tempo. Toda revolução sofre um pouco de resistência no inicio - mesmo que a revolução seja mudar de cafeteria ou de marca de sabão em pó - mas pequenas ações podem resultar em mudanças positivas na nossa vida.
Seu Jorge já cantarolava, abençoado por uma melodia de Chico Buarque: "Todo dia ela faz tudo sempre igual/ me sacode às seis horas da manhã/ me sorri um sorriso pontual/ e me beija com a boca de hortelã". Ambos os amantes não pareciam incomodados com a rotina que o casal compartilhava, e a composição não deixa transparecer qualquer desconforto com o cotidiano previsível. Mas e se ela o acordasse um pouco antes para cobrir-lhe de beijos com gosto de... Maçã? Se não sorrisse ao acordá-lo, mas o pegasse desprevenido com cócegas que o fizesse perder o ar de tanto rir? E se ele faltasse no trabalho, um dia que seja, para brindar a vida na companhia da amada?

Gostar de rotina não é algo ruim. Precisamos dela para nortear nossas vidas, dar linearidade ao nosso cotidiano, nos tirando do caos e auxiliando-nos a dar foco às metas. A rotina é a nossa cura da ressaca, nosso mais do mesmo que precisa existir, nossa obediência às regras, nossa submissão ao tempo, nossa dose de normalidade diária.
Sair da rotina, do óbvio, é um tanto doloroso para algumas pessoas. Arriscar-se numa atividade nova, atrasar-se mais que cinco minutos, um feriado no meio da semana (acredite: há quem não goste nem um pouco de feriado que tire da mesmice de uma semana de trabalho) nem sempre é fácil de encarar. Ainda mais pra quem trabalha com o método da agenda: acordar às seis, ler as notícias acompanhado de uma xícara de café - nem muito quente, nem frio, nem morno: acertar o ponto todas as vezes é crucial e rotineiro, por assim dizer - tomar um banho rápido, vestir-se e chegar no trabalho às oito. Nem sete e cinquenta e dois, nem sete e cinquenta e nove, muito menos oito e um. Oito. Trabalhar incessantemente, voltar pra casa (pelo mesmo caminho de sempre), assistir qualquer porcaria na televisão, dormir. Fim de semana é almoçar na mãe, ir ao cinema, voltar antes que escureça dormir.

Pessoas assim não se permitem experimentar algo novo e ousado, por mais simples que seja. Por mais que a mídia tenha explorado e criticado positivamente aquela peça que está em cartaz todas as quartas, não é digno se dar ao luxo de fazer um programa cultural em plena quarta-feira. Amanhã é quinta, dia de labutar. Às oito em ponto. Por mais que delivery de pizza seja prático, rápido e barato, não custa nada explorar os demais restaurantes da cidade, levar a garota ou o garoto para degustar sushi, comida chinesa, tailandesa, ou churrasco gaúcho, que seja. Algo que não venha engordurado dentro de uma caixa de papelão
.
Há quem não goste de acampar na praia mas que nunca sequer dormiu dentro de uma barraca e protege-se dos pés à cabeça do sol, da areia e da água salgada que resseca e quebra o cabelo. Tem gente que detesta balada, porque sempre frequentou a mesma casa noturna, que conta sempre com a presença dos mesmos Dj's,  sempre com as mesmas pessoas. Há quem não goste de beber, mas que nunca bebeu, que não goste de redes sociais e que sempre conservou a velha conta de e-mail no Bol., que não goste de chuva mas que nunca sentiu a deliciosa sensação da água refrescando o corpo num dia de calor infernal, que não gosta de música brasileira mas que nunca se arriscou a ouvir os mestres da MPB - e que, inclusive, critica ferozmente o nosso funk mas que dança de forma frenética ao som do pop e do Hip Hop americano que faz apologia às drogas e ao sexo, com letras tão "proibido nas" quanto as do ritmo carioca.
De que vale a vida, penso eu, se não arriscarmos, nos entregarmos ao novo? Ter o coração partido e se fechar para um novo amor, permanecer num emprego que te causa infelicidade mas que garante estabilidade, dormir cedo sempre, nunca se atrasar, ir ao mesmo cinema, frequentar as mesmas praias, estranhar novas amizades: que perda de tempo.
Durante muito tempo fui um pouco assim, e confesso que ainda sou paranoica com horários e rotina, mas estou tentando mudar. Reconhecer que a minha bolha é limitada e que a zona de conforto não nos oferece nada mais que conforto é o primeiro passo. Toda revolução sofre um pouco de resistência no inicio - mesmo que a revolução seja mudar de cafeteria ou de marca de sabão em pó - mas pequenas ações podem resultar em mudanças positivas na nossa vida.
Se o café está bem quente, eu acho bom. Se estiver morno, me incomodo um pouco, mas engulo feliz. Se tiver suco, agradeço: mais um dia sem cafeína. Viver metodicamente é não viver, ou viver pela metade. Você por acaso sabe se existe vida após essa aqui? Melhor não desperdiçar. Hortelã pode ser bom,  mas há uma infinidade de sabores por aí.


 Obvious



quinta-feira, 16 de abril de 2015

O QUE É O TEMPO?



A reflexão filosófica de Agostinho sobre o tempo é uma de suas mais brilhantes análises filosóficas, a qual o torna, embora sendo um pensador medieval, muito mais contemporâneo do que muitos outros da atualidade. O modo como Agostinho expõe suas interrogações com relação ao tempo marca a reflexão ocidental até os dias de hoje.

Questiona Agostinho: “Que é, pois, o tempo? Quem poderá explicá-lo clara e brevemente? Quem o poderá apreender, mesmo só com o pensamento, para depois nos traduzir por palavras o seu conceito? E que assunto mais familiar e mais batido nas nossas conversas do que o tempo? Quando dele falamos, compreendemos o que dizemos. Compreendemos também o que nos dizem quando dele nos falam. O que é, por conseguinte, o tempo? Se ninguém me perguntar, eu sei; se o quiser explicar a quem me fizer a pergunta, já não sei.”²


Agostinho defronta-se com algumas dificuldades principais ao falar sobre o tempo: não podemos apreendê-lo, pois o tempo nos escapa, não conseguimos medi-lo. E também não podemos percebê-lo.

quinta-feira, 2 de abril de 2015

Não importa o que fizeram com você. “O que importa é o que você faz com aquilo que fizeram com você.”



 Uma verdadeira lição de vida. Todos nós passamos por arranhões e quedas na vida. Nesse filme chamado existência humana, torna-se praticamente impossível sairmos ilesos por mais que sejamos protegidos na infância, adolescência e vida adulta. Seria o mundo um lugar cruel? Não necessariamente. Depende da formação, da personalidade e da estrutura familiar de cada um de nós. Esses são os pilares básicos para construirmos pouco a pouco a consciência necessária para nos adaptarmos as circunstancias da vida. Ora, não desejamos certos acontecimentos para nós, no entanto eles acontecem. Uma criança órfã certamente não desejaria ser órfã, mas vítima das circunstancias, do destino, da sociedade ou da família ela é. E como lidar com isso? Como lidar com essa série de acontecimentos que nos atinge a todos, cada um de uma forma e não depende de nós escaparmos dela ou não? Outro caso seria uma pessoa acometida com uma doença grave, cujas causas ela não procurou. Somado a esses pensamentos dir-se-ia que somos todos vitimas? Claro que não. Mas somos obrigados a concordar que há situações chave em nossas vidas que são como acontecimentos fatais; Não depende de nós alterarmos a rota daquele acontecimento. Mais uma vez surge a pergunta: E o que fazer mediante a isso? Cada um digere de uma forma. Uns utilizam-se da desgraça para tornarem-se pessoas ainda melhores e servirem de exemplo ao mundo de como é possível ser feliz mesmo com restrições físicas, financeiras ou emocionais. Outros se utilizam das mesmas dificuldades para revoltar-se contra o destino, contra as pessoas, contra Deus. A ideia dessa reflexão não é expor como cada um deve agir perante as dificuldades da vida, mas sim uma nuance de como as pessoas reagem diferentemente diante de circunstâncias parecidas. O que fazemos com aquilo que fazem conosco?

Já paramos para pensar como nos sobressaímos em situações de mágoa, traição, inveja, ciúme, desrespeito? Claro que esses tipos de situações podemos nos esquivar, peneirando as nossas relações. Mas é impossível fugir de tudo. Já na infância em contato com outros coleguinhas na escola percebemos o quanto as pessoas podem ser cruéis umas com as outras, seja na prática do bullying, da intolerância, do preconceito racial ou social. Como se sobressair, para além de um divã de um psicólogo, ou consultas psiquiátricas toda a intempérie de contrariedades que sofremos todos os dias? O que fazemos com aquilo que fizeram conosco? 

segunda-feira, 30 de março de 2015

VIVEMOS TEMPOS LÍQUIDOS. NADA É PARA DURAR

 
Estamos cada vez mais aparelhados com iPhones, tablets, notebooks, etc. Tudo para disfarçar o antigo medo da solidão. O contato via rede social tomou o lugar  de boa parte das pessoas, cuja marca principal é a ausência de comprometimento. Este texto tem como base a ideia do "ser líquida”, característica presente nas relações humanas atuais. Inspirado na obra "Amor Líquido" - sobre a fragilidade dos laços humanos, de Zigmunt Bauman. As relações se misturam e se condensam com laços momentâneos, frágeis e volúveis. Num mundo cada vez mais dinâmico, fluído e veloz. Seja real ou virtual.
O sociólogo polonês Zygmunt Bauman é um dos intelectuais mais respeitados da atualidade. Aos 87 anos, seus livros venderam mais de 200 mil cópias. Um resultado e tanto para um teórico. Entre eles, “Amor liquido” é talvez o livro mais popular de Bauman no Brasil. É neste livro que o autor expõe sua análise de maneira mais simples e próxima do cotidiano, analisando as relações amorosas e algumas particularidades da “modernidade líquida”. Vivemos tempos líquidos, nada é feito para durar, tampouco sólido. Os relacionamentos escorrem das nossas mãos por entre os dedos feito água.
Bauman tenta mostrar nossa dificuldade de comunicação afetiva, já que todos querem relacionar-se. Entretanto, não conseguem, seja por medo ou insegurança. O autor ainda cita como exemplo um vaso de cristal, o qual à primeira queda quebra. As relações terminam tão rápido quanto começam, as pessoas pensam terminar com um problema cortando seus vínculos, mas o que fazem mesmo é criar problemas em cima de problemas.
É um mundo de incertezas, cada um por si. Temos relacionamentos instáveis, pois as relações humanas estão cada vez mais flexíveis. Acostumados com o mundo virtual e com a facilidade de “desconectar-se”, as pessoas não conseguem manter um relacionamento de longo prazo. É um amor criado pela sociedade atual (modernidade líquida) para tirar-lhes a responsabilidade de relacionamentos sérios e duradouros. Pessoas estão sendo tratadas como bens de consumo, ou seja, caso haja defeito descarta-se - ou até mesmo troca-se por "versões mais atualizadas".
O romantismo do amor parece estar fora de moda, o amor verdadeiro foi banalizado, diminuído a vários tipos de experiências vividas pelas pessoas as quais se referem a estas utilizando a palavra amor. Noites descompromissadas de sexo são chamadas “fazer amor”. Não existem mais responsabilidades de se amar, a palavra amor é usada mesmo quando as pessoas não sabem direito o seu real significado.
Ainda para tentar explicar a relações amorosas em “Amor Líquido”, Bauman fala sobre “Afinidade e Parentesco.” O parentesco seria o laço irredutível e inquebrável. É aquilo que não nos dá escolha. A afinidade é ao contrário do parentesco. Voluntária, esta é escolhida. Porém, e isso é importante, o objetivo da afinidade é ser como o parentesco. Entretanto, vivendo numa sociedade de total “descartabilidade”, até as afinidades estão se tornando raras.
Bauman fala também sobre o amor próprio: o filósofo afirma que as pessoas precisam sentir que são amadas, ouvidas e amparadas. Ou precisam saber que fazem faltas. Segundo ele, ser digno de amor é algo que só o outro pode nos classificar. O que fazemos é aceitar essa classificação. Mas, com tantas incertezas, relações sem forma - líquidas - nas quais o amor nos é negadas, como terão amor próprio? Os amores e as relações humanas de hoje são todos instáveis, e assim não temos certeza do que esperar. Relacionar-se é caminhar na neblina sem a certeza de nada - uma descrição poética da situação.

"Para ser feliz há dois valores essenciais que são absolutamente indispensáveis [...] um é segurança e o outro é liberdade. Você não consegue ser feliz e ter uma vida digna na ausência de um deles. Segurança sem liberdade é escravidão. Liberdade sem segurança é um completo caos. Você precisa dos dois. [...] Cada vez que você tem mais segurança, você entrega um pouco da sua liberdade. Cada vez que você tem mais liberdade, você entrega parte da segurança. Então, você ganha algo e você perde algo", afirma o filósofo.

 ZYGMUNT BAUMAN


quinta-feira, 26 de março de 2015

NOVAMENTE POSTANDO O MITO POIS ALUNOS DO 1°D e 1°E ,precisam argumentar. Obs. clica em comentários para responder



O que é a caverna?
Que são as sombras das estatuetas?
Quem é o prisioneiro que se liberta e sai da caverna?
O que é a luz exterior do sol?
O que é o mundo exterior?
Qual o instrumento que liberta o filósofo e com o qual ele deseja libertar os outros prisioneiros?
O que é a visão do mundo real iluminado?

Por que é que os prisioneiros ridicularizam, espancam e matam o filósofo?

domingo, 1 de março de 2015

COBRANÇA!


Cobranças sempre houve. Mas e agora que a sociedade tem face book e mostra o quanto ela é bem-sucedida, linda, rica e magra, e você não? O que fazer quando o mundo todo parece perfeito?
Gente, a vida não espera. Você precisa correr atrás dos teus sonhos e batalhar pelo que deseja, o quanto antes, e cada vez mais.
E esse mundão de meu Deus está aí para te incentivar, mostrando o que cada um conseguiu: aquela gordinha do teu  face book que deu uma bela emagrecida e que agora tem tudo para ter aquela barriga negativa que tanto almeja, o esforçado da academia que por meio de provações imensas transforma preguiça em músculos; aquele dedicado colega da escola que, após tanto estudo e especializações, logo mais chega a chefão de uma multinacional. Sem esquecer, claro, a tua amiga, correndo com os últimos preparativos do tão sonhado casamento.
E você, onde está? Enquadrou-se em alguma dessas vidas? Ou melhor, em quase todas? Pois deveria. Afinal, por meio das redes sociais o mundo te dá exemplos diários do que você deve fazer para ser bem-sucedido basta trabalhar duro para isso, e, se eles chegaram lá, você também pode!
Ou não. E, aliás, talvez nem queira. E tudo bem com isso – ou ao menos deveria ser. Será que em algum momento você parou para pensar que tudo isso aí a seu alcance até pode ser o modelo dos sonhos para muita gente, mas não necessariamente para todos? O ideal de beleza é um ideal pra quem? E desde quando?
Você nunca se pegou olhando para aquelas deusas renascentistas e pensou “Puxa, um regiminho ia bem”? E o que falam tanto da Marylin Monroe, com aquelas coxas grossas? Scarlett Johansson ganha fácil! Isso supondo que a sociedade dos anos 1950 não a consideraria um magrelo sem graça, claro. E também se pensarmos na Johansson agraciada com todos os requintes que um bom Photoshop é capaz de fazer, óbvio (longe de mim criticar o corpaço de Scarlett, mas é que, como você já deve saber, ela tem imperfeições como qualquer ser humano, que são magistralmente retocadas pela tecnologia).
Para mim esse é um dos melhores exemplos de como é efêmera a definição do que é ou deixa de ser belo. E não é frustrante – ou ao menos contraditório – passarmos nossas vidas inteiras tentando alcançar um objetivo que nem seria de fato o nosso, caso a sociedade não nos empurrasse goela abaixo que é isso que devemos querer ser? Aí você me diz que esse é mesmo o estilo de vida que você quer seguir, e que não é uma escolha social, mas sim somente e apenas – ou principalmente – tua. Sabe o que eu te respondo? Tudo bem, e seja feliz! Sério. Minha conversa aqui não é pra discutir, e de verdade respeito teu estilo de vida. Minha preocupação, na realidade, está voltada para outra coisa: as auto cobranças tendo como ponto de partida uma falsa realidade, vista por meio de telas de computadores e revistas de moda, moldada para te fazer crer que todos são especiais neste mundo (menos você). Acho que já passou da hora de se questionar: Mas será que é assim mesmo?
O que estou querendo dizer é que, talvez, aquele teu conhecido que você não sabe nem ao certo como foi te adicionar no facebook esteja passando pelos mesmos questionamentos que você, e tudo bem por isso. Já imaginou que esse teu trabalho insuportável pudesse ser o emprego dos sonhos de teu colega facebookiano? E todos que invejam as fotos de você e teu amor, só porque não fazem ideia do quanto  vocês discutem e de como esse relacionamento já está desgastado? Ou então, e se muitas das curtidas que você recebeu naquela tua foto descolada altamente intimista acompanhada da libertária legenda “Enfim solteiro”, em vez de um simples apoio virtual, fosse um tributo à tua coragem de deixar as expectativas de casar e ser feliz pra sempre de lado para ir  a busca do que realmente importa?
“O que seria do verde, se todos só gostássemos do vermelho?” Já dizia a sabedoria popular, ninguém é obrigado a ser igual. Hoje, as cobranças são as mesmas para todo mundo e, ao que parecem, todas as pessoas estão seguindo a moda de se diferenciar de todo mundo – e com isso acabam sendo todos iguais, seguindo os mesmos estilos e tentando se mostrar digno do que a sociedade espera. Mas e se, sei lá, todo mundo decidisse se aparecer menos pra sociedade e mais pra si mesmo? Como será que seria?
Obviuos

MUDANÇAS POR OBRIGAÇÃO? DESEJO? NECESSIDADE? VONTADE?





   

quarta-feira, 18 de fevereiro de 2015

REFLEXÃO


A INTELIGÊNCIA














A inteligência não se define em raciocínio e sim 
em ações  por  pessoas que estão ao seu lado, isso 
sim é inteligência, o restante é apenas dedicação.

Angela Mendes

sexta-feira, 6 de fevereiro de 2015

AME-SE





Desejar a companhia de alguém é uma coisa; imaginar o outro como um escravo particular para curar suas inseguranças é outra.
E é por isso, e por tudo que ainda posso ser que descobri - e, por mais incrível que possa parecer me apaixonei por esta possibilidade - que não estou pronto para amar. Não estou pronto porque ainda tenho muito a fazer - conhecer o mundo é só o primeiro passo. Sair da sua zona de conforto te traz tanta, mas tanta lucidez que voltar para a caverna torna-se impossível - obrigado, Platão. Construo-me com passos leves, calmos e muito - mas muito mesmo - despreocupados. E acho que esse é o melhor conselho que poderei dar a alguém, quando me perguntarem sobre felicidade.
Vá ser feliz com você mesmo. A única coisa que te merece é o mundo - não somos prêmios particulares, nem bônus de celular, nem números da Tele sena. Somos indivíduos que, querendo ou não, doendo ou não, nascemos e morremos sozinhos. Encontrar alguém que, ao invés de nos roubar, queira nos acompanhar nessa jornada, é sua árdua missão particular - recebe-se o que se é refletido. Se atrás de você só tem gente louca, quem está de ponta-cabeça é você (nota particular). Descubra-se. Valorize-se em todos os seus trejeitos. Use algo mais curto (ou mais comprido). Dance. Viaje. E, quando, por poesia - por descuido não, por favor! -, alguém queira ficar, que seja para acrescentar.
Porque o amor não é justo. Mas ele há de acontecer, um dia.


Luiz Menezes

domingo, 1 de fevereiro de 2015

SOU FEMINISTA . NÃO ODEIO OS HOMENS.

 
Neste ano não sobrou espaço para outro tema. Nunca se discutiu tanto sobre feminismo e machismo como em 2014.
Foram tantos compartilhamentos de textos, discussões sobre violência doméstica, “eu visto o que eu quiser”, reportagens sobre mulheres líderes em ambientes corporativos, campanhas publicitárias, casos de traição, o aborto nos debates políticos, homem brigando com mulher, mulher brigando com mulher que a base do feminismo começou a misturar-se e perder-se ideologicamente pouco a pouco.
Sabe aquela história do “não sei nada sobre, mas opino”? Pois então, a distorção do feminismo como algo violento e de ódio contra os homens é totalmente controversa ao que se prega. É pura falta de informação.
Quem se lembra do discurso da Emma Watson no UN Women este ano?
“Eu tenho percebido que lutar pelo direito das mulheres têm se tornado sinônimo de odiar os homens. Se existe uma coisa de que tenho certeza nessa luta, é de que isso tem que parar.”
Entre dez minutos de discurso, foi essa pequena parte que me chamou mais a atenção.
Mesmo o feminismo de Beyoncé que com todo o seu sexy appeal possui um apelo diferente do discutido por muitas feministas, recebeu o seu prêmio de melhor música do ano, segundo a revista Times, por “entender o momento vivido pela sociedade”, que diz:
“Criamos garotas para serem concorrentes. Não para empregos ou conquistas, o que seria uma coisa boa, mas para a atenção dos homens. Feminista é a pessoa que acredita na igualdade política, social e econômica entre os sexos.”
Você acredita nestas igualdades? Você acha que é justo ambos os sexos terem os mesmos direitos?
Então você, homem ou mulher, também é feminista.
Isso não significa que você deve parar de preparar um jantar que você faz com amor para o seu namorado, isso não significa que você não pode sentir-se frágil às vezes, isso não significa que você deve ser menos feminina e não usar sutiã e isso não significa que os homens devem ser submissos.
Ser feminista significa sentir-se feliz ao ler que o governo do Recife tem divulgado um livro chamado "Reconstruindo vidas: mulheres que romperam a violência doméstica", que conta com depoimentos incríveis de dez mulheres recifenses que denunciaram o tratamento abusivo de seus parceiros e deram a volta por cima. “O primeiro tapa arde na alma”, uma delas diz.
Se você fica feliz por iniciativas como essa, mesmo sem saber, você também é feminista.
Esses textos “mulheres estão  chatas”, “apaixone-se por mulheres que têm mais livros do que roupas”, “sou malhada,  faço selfie ”, “ele traiu, ela perdoou porque é machista”, olha, parem. Esse ataque gratuito que pelo jeito VENDE, é que tem atrapalhado mais do que ajudado, principalmente em terras brasileiras.
Não precisamos sentir DESCONFORTO quando falamos que somos feministas queridos amigos. Se alguém lhe disser que você está sendo hipócrita porque você leu Cinquenta Tons de Cinza, ou porque você deixa o seu namorado dirigir o seu carro, você responde a mesma coisa que a Luciana Genro respondeu para o Danilo Gentili numa entrevista durante sua campanha pras eleições presidenciais. Lembram?
“É, eu acho que você deveria se informar melhor”.
Existe muito mais amor no feminismo do que esse terrível sentimento de "anti-homem" criado justamente pela sociedade machista.
Eu sou feminista e eu não odeio os homens. Eu sou feminista porque acredito na igualdade entre os sexos de forma verdadeira e justa. Eu sou feminista porque não quero que meus amigos homens pensem que chorar assistindo um filme "é coisa de mulher".
Sou feminista porque respeito o próximo.
E você? 
Pesquisa Site Obvious.


sábado, 31 de janeiro de 2015

COMO CONHECER AS PESSOAS?




Para melhor conhecer as pessoas, o primeiro passo, e o mais importante, consiste em não usar a si mesmo como padrão de valor ou referência.
Para conhecer bem o outro, não é útil refletir assim: "eu no lugar dele agiria dessa ou daquela forma". Cada mente é única, não comparável.
Quem compreender que cada pessoa é única terá que lançar mão de outros recursos que não a introspecção para conhecer direito o interlocutor.
Para conhecer com objetividade uma pessoa é conveniente prestar atenção aos seus gestos, atos, à forma como reage em determinadas situações.
Uma pessoa se deixa conhecer pelo tipo de humor que aprecia, pelos trejeitos faciais, por suas reações quando contrariada, magoada, agredida.
Em determinadas situações podemos conhecer um pouco dos genuínos sentimentos de uma pessoa: se é empática, solidária, se sente culpa genuína.

Quem consegue olhar o outro de forma isenta funciona como um "hacker": tenta entrar em sua mente para saber como ela efetivamente funciona!

Gykovate.

segunda-feira, 19 de janeiro de 2015

PORQUE OS GRANDES PENSADORES ACABARAM, TRISTES, NA SOLIDÃO DA VIDA? SERÁ QUE CONHECER A VERDADE NOS LEVA A ISSO?


NA SOLIDÃO, TRISTE E DESILUDIDO: A MORTE DOS GRANDES PENSADORES EM MEIA DÚZIA DE TRISTES FINS. 
“A solidão é o destino de todos os grandes espíritos”, diria Schopenhauer. Também a desilusão, a tristeza, o sofrimento. Muita inteligência e acurada visão de mundo não são, definitivamente, caronas para a felicidade. Certamente o “contrário, a ignorância, tem mais facilidade em puxar a carroça”.


Olhando para a história, são poucos os grandes pensadores que chegaram ao fim da vida ainda com esperanças, compartilhando felicidade entre os seus. Talvez Platão aos 80, ou Sócrates, resignado, sorvendo a cicuta. Talvez os filósofos cristãos esperando o paraíso. Kant aos 79, sem nem ligar para isso, na demência do Alzheimer. Mas são estes exceções. No oposto, são muitos os exemplos de suicídios, depressões, desilusões entre os grandes de todos os tempos: desde Heráclito, o obscuro, ermitão misantropo, Aristóteles banido de Atenas, Giordano Bruno nas chamas da fogueira, Maquiavel lambendo botas, Descartes fugindo de todos, Hobbes, o irmão gêmeo do medo, Schopenhauer na depressão, Cioran na amargura, Deleuze pulando pela janela...
Abaixo, meia dúzia de tristes e desiludidos fins de grandes pensadores:
Sigmund Freud (1856 – 1939)
Em 1938, Freud deixou Viena para refugiar-se em Londres, após a ocupação nazista da Áustria. Morreria no ano seguinte, aos 83, triste e desencantado, desiludido com a civilização, lutando a sua última guerra, carcomido pelo câncer. Freud deixou para trás os amigos, os filhos e os interlocutores. Foi para Londres com a mulher e a filha, Anna, com as quais compartilhou a solidão, quase sem falar, devido à doença que lhe desgraçou o palato, a laringe, a boca. O cachorro o abandonou devido ao mau cheiro do câncer, que lhe confundia o faro. A solidão só não foi absoluta porque Anna Freud, com um amor quase materno pelo pai – amor de Electra, com o perdão do mau uso da expressão –, ficou ao lado dele até o último suspiro, embriagado de morfina. As quatro irmãs seriam executadas em campos de concentração, embora ele não estivesse vivo para saber disso.
Friedrich Nietzsche (1844 – 1900)
A inteligência foi uma maldição para Nietzsche. Rejeitado desde a infância, cercado de beatas melancólicas, jovem taciturno e solitário, adulto fracassado, doente, incompreendido. Atormentado, pensou coisas “além do bem e do mal”, colocou a inteligência no papel, escreveu  muito, aforismos, poemas filosóficos de causar aneurismas, publicou em vida, mas não foi lido. Ninguém entendeu, ninguém quis. Como seu Zaratustra isolou-se em si, na arrogância de seu super, além do homem. Esmagado por enxaquecas terríveis, perdendo a visão e a sanidade, pendulou de um lugar a outro procurando a paz no mundo, em diferentes paisagens bucólicas, sabendo que a guerra era interna. Enfim, triste, abandonado por todos e por si mesmo, encontrou-se na Itália, hóspede de um simples quarto com catre e cadeira, banheiro coletivo no corredor. Um dia, os pensamentos fincando como alfinetes, vislumbres como cortes de navalha, escutou um cavalo sendo açoitado na rua. Brados enraivecidos contra o indefeso animal, o chicote estalando, sangue e relinchos para todo lado. Os transeuntes ocupados sem perceber a cena, cada um preso em suas mesquinhas responsabilidades. Nietzsche rompeu à rua, em desespero atroz, rangendo os dentes na direção do açoite, rosnando blasfêmias contra o algoz. Era o fim do maior filósofo desde Kant: abraçado ao cavalo, chorando, chorando, chorando seu desespero. Enfim, desmaiou para nunca mais. Quando acordou era um nada, um catatônico Nietzsche sem frases inteligíveis, olhar parado, babando. Morreu uma década depois, sob  cuidados da irmã, Elizabeth Förster-Nietzsche, aquela que não lhe compartilhou da inteligência e que, por falta dela, serviu para a terrível interpretação de Nietzsche pelo Nazismo.

Karl Marx (1818 – 1883)
O jovem Marx se casou com uma moça de estirpe, aristocrata, Jenny von Westphalen, e com ela teve sete filhos. Deles a quase metade chegou à vida adulta, as três meninas, os outros morreram na tenra infância levados pela miséria. Fugindo da repressão a família Marx deixou a Alemanha, depois a França e  a Bélgica, para enfim se instalar no Soho, em Londres. À época o bairro mais ralé, mais imundo e pobre, onde se podia pagar mais barato. Anos luz das galerias de arte, lojinhas de bibelôs e pubs encervejados que hoje dominam o Soho. Marx passou uma  década afundado na miséria, afundando mais ainda a família no desespero porque se recusava a trabalhar em qualquer função que não fosse intelectual. Enfim, a herança dos Westphalen os alcançou e trouxe o sossego econômico da ironia: Marx que pregava o fim do direito à herança , foi socorrido pela parte que cabia à sua mulher. Mas a tranquilidade do dinheiro chegou tarde, acompanhada da doença que a definhou a olhos vistos. As filhas tomaram seus rumos, ficaram os velhos subversivos na companhia dos charutos de Karl e dos remédios de Jenny. Quando ela morreu, sobrou o velho barbudo, cercado de papéis e anotações, tomado de furúnculos, custando a respirar pelos problemas que o fumo entupiu nos pulmões, afundado na solidão e na paranoia, vendo inimigos brotando de todas as sombras. Quando seu cadáver foi encontrado, caído na mesa de trabalho, segurando a pena cheia de tinta, estava irreconhecível, seco, rachado, triste. Em nada lembrava o semblante revolucionário que ilustrou panfletos ao longo do século XX. Das três filhas que chegaram à vida adulta, duas se suicidaram após a morte do pai, do mesmo jeito, por injeções de veneno nas veias.
Michel Foucault (1926 – 1984)
Foucault viveu duas vidas: a da superfície – de aparências, desde a juventude católica ao estrelato acadêmico – e a das profundezas – do submundo, desde o ódio ao pai aos guetos de drogas e inferninhos sadomasô. Na superfície, Michel Foucault foi brilhante, talvez o mais prodigioso pensador da filosofia contemporânea, publicou vários livros, tornou-se referência obrigatória para estudantes de filosofia, história, sociologia, política, psicologia e quaisquer outras ciências humanas. Bibliografia obrigatória em qualquer biblioteca de qualquer universidade do mundo. Um pensamento forte, organizado, profundo, arqueológico, incontornável. Contudo, foi a outra vida que lhe assombrou a existência. Escondido atrás da máscara, Foucault precisava se esgueirar pelas esquinas, pelas sombras do submundo para encontrar a si mesmo. Descendo as escadas, baixando os níveis, o pensador se transformava em outro, degenerado, usuário de drogas, faminto sexual em encontros casuais com estranhas criaturas da noite, ele mesmo uma delas. “Experiências-limite” entre o mais radical erotismo e o flerte com a morte, com o perigo do encontro com os estranhos, e mais assustador, consigo mesmo. Encontrou-se, divertiu-se, viveu os extremos, viu a si pelas gretas, entregou-se. Pegou o mal da época pela veia do desejo, definhou pela AIDS nos anos seguintes, atormentado pelas escolhas que lhe dividiram a vida e o pensamento.


Max Weber (1864 – 1920)
A depressão acompanhou Weber por toda a vida. Teve pelo menos dois grandes colapsos: o primeiro, na virada do século XIX para o XX, o afastou da academia, do trabalho, de casa (rico quando tem depressão viaja); o segundo o levou a vida, precipitando em meses a pneumonia que lhe foi fatal. De família burguesa abastada, Max Weber foi intelectual por vocação, conforme ele mesmo descreveria em um dos seus clássicos: “A Ciência como Vocação”. Produziu muito, estudou demais, tudo, da religião à música. Escreveu, enfim, uma das maiores obras já publicadas, “A Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo”, na qual virou a sociologia ao avesso ao romper com o ranço marxista e contrariar, ao mesmo tempo, os cânones do positivismo francês. Também foi um homem público atuante, inclusive como conselheiro alemão no ultrajante Tratado de Versalhes, diante da derrota na Primeira Guerra, cargo de mãos e inteligência atadas, trauma que o atormentou de culpa até a morte. Na guerra tinha sido oficial em hospitais militares, vendo de perto o horror na forma de estropiados, desfigurados, mutilados e cadáveres; na derrota carregou o fardo de acompanhar a assinatura do tratado de rendição mais humilhante da história. Nunca se recuperou. Voltou às pesquisas, às conferências, às salas de aula, revisou e reeditou suas grandes obras, lutou mais um tempo, mas enfim, resignado, “crítico e resignado”, entregou os pontos. Teve o segundo colapso, afundou-se em depressão, não suportou a falta de sentido, o “desencanto do mundo”. Adoeceu, desiludido, entregue à pneumonia que lhe quebrou a rija crosta de aço.
 Walter Benjamin (1892 – 1940)
Vítima do pessimismo, da má sorte e da ignorância Nazista, Walter Benjamin foi um dos mais brilhantes e promissores filósofos da Escola de Frankfurt, considerado por muitos o melhor de todos por lá. Erudito, articulado, multifacetado, Benjamin era uma mistura de filósofo, escritor, crítico literário, ensaísta e poeta. Protótipo da mente refinada do início do século XX, colecionador de citações, apreciador de arte, tradutor de Baudelaire e Proust, flanêur nas passagens de Paris. Combatente feroz da modernidade e, contraditório, moderno por excelência, Benjamin carregava a veia romântica, melancólica, crítica, nas leituras que fazia de diversos temas, entre a história da arte e o cinema, na “era da reprodutibilidade técnica”. Fracassado no amor, abandonado em ilusões, muito aquém do sucesso que alcançaria após a morte, Benjamin ainda teve o azar de ser judeu na Alemanha Nazista. Fugiu primeiro para Paris, percorrendo os boulevards e as passagens, mas também o azar o seguiu de perto. Também Paris cairia ante os Alemães. Agarrando-se às últimas esperanças, partiu para os Pirineus, tentando alcançar a fronteira espanhola e, depois dela, a liberdade. Quando chegou, a aduana estava fechada para fugitivos judeus como ele. Pessimista, desiludido, em profunda tristeza, trancou-se num hotel-pulgueiro qualquer e aplicou uma dose cavalar de Morfina, num suicídio indolor. Ironia da má sorte que o perseguiu, no dia seguinte a fronteira foi aberta e todos passaram.

 Matéria do Site Obviuos