Cartas a
Lucílio, de Sêneca
O ingrato
tortura-se e aflige-se a si mesmo; odeia os benefícios que recebe por ter de
retribuí-los, procura reduzir a sua importância e, pelo contrário, agigantar
enormemente as ofensas que lhe foram causadas. Há alguém mais miserável do que
um homem que se esquece dos benefícios para só se lembrar das ofensas? A
sabedoria, pelo contrário, valoriza todos os benefícios, fixa-se na sua
consideração, compraz-se em recordá-los continuamente. Os maus só têm um
momento de prazer, e mesmo esse breve: o instante em que recebem o benefício; o
sábio, pelo seu lado, extrai do benefício recebido uma satisfação grande e
perene. O que lhe dá prazer não é o momento de receber, mas sim o fato de ter
recebido o benefício; isto é para ele algo de imortal, de permanente. O sábio
não tem senão desprezo por aquilo que o lesou; tudo isso ele esquece, não por
incúria, mas voluntariamente. Não interpreta tudo pelo pior, não procura
descobrir o culpado do que lhe sucedeu, preferindo atribuir os erros dos homens
à fortuna.
Não atribui
más intenções às palavras ou aos olhares dos outros, antes procura dar do que
lhe fazem uma interpretação benevolente. Prefere lembrar-se do bem que lhe
fizeram, e não do mal; tanto quanto pode, guarda na memória os benefícios
precedentes e não muda de disposição para com aqueles a quem deve algum favor a
não ser que as suas más ações sejam de longe mais graves, numa desproporção
evidente mesmo a quem não a quer ver; e até neste caso o sábio terá por eles,
depois de uma considerável ofensa, sentimentos idênticos aos que tinha antes do
favor recebido. Na realidade, mesmo quando a ofensa é equivalente ao benefício,
permanece na nossa alma um certo sentido de benevolência.
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