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quarta-feira, 15 de janeiro de 2014

O Mal e o Livre Arbítrio em Santo Agostinho

Santo Agostinho (354-430), bispo de Hipona, ocupou-se intensamente com aquilo que costumamos chamar de “o problema do mal”, ou seja, saber a origem do mal. Porém, sua trajetória de busca e ansiedade tem início desde cedo, sendo influenciado, em sua vida, por muitas correntes doutrinárias e filosóficas. Recebeu sua primeira influência de sua mãe, Mônica. Cícero foi seu segundo modelo. Agostinho, em seguida, passa a ser seguidor dos maniqueus, vindo depois a admirar os céticos. Com a leitura dos livros neoplatônicos entende a realidade do material e a não-realidade do mal. Por fim, lendo São Paulo, apreende o sentido da fé, chegando a adotar uma posição radical sobre a predestinação. Mas trataremos aqui sobre sua obra “O Livre Arbítrio”, na qual ele responde muitas de suas próprias interrogações sobre a origem do mal, sobre a relação do mal com o livre arbítrio, num diálogo com Evódio, seu amigo e conterrâneo. É sobre a relação entre o mal e o livre arbítrio, em Santo Agostinho, que trataremos, ainda que de maneira sintética, neste trabalho.

Agostinho confrontou o dualismo da religião maniqueísta que ensinava o mal como uma realidade igualmente eterna, mas oposta ao bem. O mal em Agostinho deve ser visto, num primeiro momento, como algo que não existe no cosmos, para ele, o mal não existe como uma entidade. Aquilo que chamamos de mal é simplesmente a ausência do bem. O mal é, fundamentalmente, a falta ou privação do bem. Porém, Agostinho vai falar do mal moral, que é o pecado, que não teria causa eficiente, mas causa deficiente. Com isso, Agostinho não está admitindo que o mal como uma substância, pois o mal continua não existindo como uma entidade ou substância. Corrompe coisas boas sem ter natureza própria. Porém o pecado é o distanciamento do bem.
Santo Agostinho deixa clara a sentença: “Deus não pode praticar o mal”[2]. O mal também não pode ser atribuído a Deus, nem ficar fora da ordem providencial. Deus, o Criador, o Bem Supremo, criou todas as coisas por meio de seu Verbo. Todas as obras de Deus são boas. De sua natureza boa só pode vir o bem. Mas Santo Agostinho também sentencia que “o mal não poderia ser cometido sem ter algum autor”[3]. Para ele, cada pessoa é autora de sua má ação, e toda ação é praticada de modo voluntário, do contrário, segundo Agostinho, Deus não puniria com justiça as más ações praticadas.
Diante da interrogação de Evódio sobre “de quem aprendemos pecar”, Agostinho responde que o que aprendemos é a instrução para o bem, não as coisas más. As más ações consistem exatamente na desobediência às instruções. Se a instrução é sempre um bem, desobedecê-la, inevitavelmente, será sempre um mal. Consequentemente o mal não se aprende, pois é impossível que este seja objeto de instrução. Para Agostinho é inútil procurar quem nos teria ensinado a praticar o mal. Pois o que sabemos é que recebemos instrução, e não há instrução para o mal.
É preciso entender, porém, o porquê de agirmos mal, se temos recebido instrução sobre e para o bem. Seria por causa do livre arbítrio? Se o é, então o livre arbítrio seria o mal em potência. Se Deus deu ao homem o livre arbítrio, e por meio dele o homem comete más ações, é de ficar subentendido que o livre arbítrio é, indiretamente, um mal e Deus seria culpado por ter dado ao homem a capacidade de escolher entre o bem e o mal com o seu livre-arbítrio. Porém Agostinho insiste na bondade de Deus e mostra que o livre arbítrio é um bem, é um dom de Deus. O homem é livre para fazer o bem. O poder de usar bem o livre arbítrio é a liberdade.  Porém o homem pode querer o mal e usa o livre arbítrio para fazer o mal, pois o bem já lhe é algo concedido por Deus. O livre arbítrio, portanto, não é um mal em si, visto que é um dom de Deus, embora o homem o use para pecar. Deus não é o autor do pecado. Se o homem peca, a culpa é sua, a responsabilidade exclusiva pela prática do mal moral, isto é, do pecado, é exclusiva do homem. E quando age desordenadamente contra a vontade de Deus recebe punição. Por isso Deus age com justiça quando pune as más ações do homem.
Entre Agostinho e Evódio há um diálogo sobre a questão “a lei proíbe algo porque é pecado ou algo é pecado porque há uma lei que proíbe?”. Para Agostinho algo é pecado mesmo que não haja lei para servir de parâmetro. O contrário também é verdadeiro, a lei pode proibir algo que não é pecado (Agostinho cita os cristãos que foram condenados por professarem sua fé). A lei, portanto, não serve para determinar o que é mal. O mal moral (o pecado) no homem é proveniente de sua paixão interior denominada de concupiscência. E esse mal, independente das prescrições da lei, é pecado. Por isso, Agostinho vai relembrar o texto de Mateus Capítulo 5, Versículo 28, sobre os pensamentos adúlteros.

A filosofia de Agostinho é, portanto, apologética, pois busca defender Deus como o bem supremo destituído de todo mal, que não é o autor do mal nem pode praticá-lo. O mal, como substância não existe, sendo ausência do bem. Quando corrói as vidas, o mal age como a ferrugem que ataca, mas não possui natureza própria. Sua filosofia vê o homem como total responsável pelos seus atos, crendo que os homens praticam seus pecados por meio do livre arbítrio que receberam, mas o livre arbítrio, em si mesmo, não é um mal, porém um bem, um dom de Deus. O pecado é a subversão da bela e boa ordem criada por Deus.
          


BIBLIOGRAFIA


AGOSTINHO. Santo, O Livre Arbítrio. Tradução: Nair de Assis Oliveira. 2ª Ed. São Paulo:

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